segunda-feira, 18 de março de 2024

SEMANA DA LEITURA DE 18 A 22 DE MARÇO Bibliotecas Escolares do AEAAG organizam atividades

 

Decorre na semana de 18 a 22 de julho a Semana da Leitura. "A Leitura voa nas asas da liberdade" foi o mote deste ano no AEAAG.

No dia 19 de março Alcina Monteiro e Lurdes Lourenço animarão 4 sessões sobre LEITURA INCLUSIVA levando 4 turmas a descobrir novas maneiras de os alunos com dificuldades acederem a informações semelhantes às dos alunos sem problemas. Será na ESAAG de manhã e em Santa Clara de tarde. Os alunos do 1º ciclo assistirão também no dia 19 à sessão “O TESOURO” na BMEL às 10h30.

No dia 21, Dia Mundial da Poesia, o Birra Produções traz “Uma viagem com Sophia à Escola de Santa Clara. No mesmo dia a BMEL faz um recital de poesia às 10h30 (“A eternidade num segundo”) para evocar o Centenário de Natália Correia, com Suzete Marques e Tiago Pereira, participando duas turmas da ESAAG.

No dia 22 os alunos do 2º ciclo participam na Oficina de Escrita Criativa ”O jogo da história inventada” na BMEL, com animação de Ana Rita Janeiro.

Durante a Semana, está à disposição para visitas guiadas a Exposição sobre Eça de Queirós na ESAAG. Os professores de Português da ESAAG foram também convidados a trabalhar sobre uma canção de Abril mediante um guião da BE. A Biblioteca da ESAAG expõe ainda livros à volta do 25 de Abril e literatura neorrealista. Finalmente o Blogue LER É SABER, das BE, continua a publicar as rubricas MÚSICAS DE ABRIL e CORTADO PELA CENSURA, pondo os jovens a par destas duas temáticas.

FALECEU A 17 DE MARÇO Nuno Júdice, o poeta "operário da escrita"

Nuno Júdice (Foto DN)

      Faleceu este domingo, 17 de março, com 74 anos, o poeta Nuno Júdice. Em muitos dos seus livros fez poesia que poderíamos chamar de autorreflexão e foi essa poesia, muito em ritmo de prosa poética, que fez o seu êxito pela diferença. A sua poesia mais recente é mais do âmbito do quotidiano e é considerada menos original. Nuno Júdice esteve para vir à Guarda e falar aos alunos das escolas no último ano letivo em ligação com a BMEL e as Bibliotecas Escolares, tendo acabado por adiar esta vinda por motivos de saúde. Aqui fica um poema de Nuno Júdice:


A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua

mais que perfeita imprecisão, os dias que contam

quando não se espera, o atraso na preocupação

dos teus olhos, e as nuvens que caíram

mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações

a abrir-se para dentro e para fora

dos sentidos que nada têm a ver com círculos,

quadrados, rectângulos, nas linhas

rectas e paralelas que se cruzam com as

linhas da mão;

 

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,

a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram

e dos encontros que sempre se soube que

se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com

quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo

o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,

sob a luz indecisa que apenas mostra

as paredes nuas, de manchas húmidas

no gesso da memória;

 

a vida feita dos seus

corpos obscuros e das suas palavras

próximas.

 Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"

sábado, 16 de março de 2024

NO ARQUIVO DISTRITAL (GUARDA), DIA 16 DE MARÇO, Às 16 HORAS Leitura Encenada do Relatório do Capitão Valente


        Rafael Ascensão, do projeto CALAFRIO, vai dar voz ao Relatório do Capitão Valente por altura do 25 de Abril de 1974. Trata-se de um relatório relativo ao papel do Regimento de Infantaria 12 (Guarda) nos acontecimentos do 25 de Abril em que o cap. Augusto Monteiro Valente foi protagonista ao se deslocar para Vilar Formoso para fazer a defesa da fronteira.

      É uma leitura encenada desse relatório que vai hoje, 16 de março, pelas 16 horas, ser apresentada no Arquivo Distrital da Guarda. A organização é do grupo "Ex-Militares RI12 celebram Abril".

sexta-feira, 15 de março de 2024

CORTADO PELA CENSURA - 7 Uma entrevista a Álvaro Cunhal que não passou

A entrevista que não saiu

Ficha de A. Cunhal na PIDE

           A propósito da Conferência dos Partidos Comunistas dos países capitalistas da Europa, realizada em Bruxelas entre 26 e 28 de janeiro de 1974, o EXPRESSO tentou e conseguiu entrevistar Álvaro Cunhal, secretário geral do Partido Comunista Português, na altura na clandestinidade. Seria a primeira entrevista de Álvaro Cunhal, então com 60 anos, a órgãos de informação portugueses não clandestinos. No entanto a entrevista foi feita, em Bruxelas, sem direito a levar máquina fotográfica, mas não passou no crivo da Censura (Exame Prévio) e não foi assim publicada. Aliás, numa das respostas Álvaro Cunhal referia que tinha "poucas esperanças de que a Censura autorize a publicação”. Havia mais três peças sobre a Conferência mas só uma pequena peça-resumo da Conferência foi autorizada e mesmo esta com uma alteração no título. Em vez de "Os PC europeus à procura de união na Europa capitalista" colocou-se o título: "Os PC europeus à procura de união na 'cimeira' de Bruxelas".

        Na altura, na edição do EXPRESSO de 2 de fevereiro de 1974 (dois meses antes do 25 de Abril), Álvaro Cunhal responderia assim à pergunta "O que pensa da situação política portuguesa no momento atual?":

  -O Partido Comunista considera que nos aspetos fundamentais da situação portuguesa nada mudou: a política anterior a 1968 continua hoje. É uma política que não corresponde aos interesses do povo português, nem da Nação portuguesa. Só através de uma alteração radical se poderá pôr termo aos problemas económicos, das liberdades, da guerra, da submissão ao estrangeiro. O PC acha necessário trabalhar e lutar. Para tal, é preciso que todas as forças políticas se unam, com vista à luta para solucionar a situação e encaminhar Portugal no caminho do desenvolvimento, da independência e da paz.

quinta-feira, 14 de março de 2024

MÚSICAS DE ABRIL - 7 A "Trova do vento que passa", de Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre, despertou consciências nos anos 60



 

Adriano Correia de Oliveira andou nos anos 60 no círculo de José Afonso, Rui Pato (guitarrista) e António Portugal (cunhado de Manuel Alegre). Fazia na altura uma espécie de balada sucedânea da canção / fado de Coimbra mas virada para as letras de qualidade e a afirmação e contestação política. Saiu assim a “Trova do tempo que passa” que teve um êxito extraordinário logo em 1963, com poema de Manuel Alegre. Foi tocada pela primeira vez nesse ano na Faculdade de Medicina de Lisboa. Era, segundo o guitarrista Rui Pato, “um novo género musical que ainda hoje é conhecido em Coimbra como a trova”.

Rui Pato refere na Visão-História de outubro / novembro de 2023 que a experiência de trabalho com Adriano Correia de Oliveira era muito aliciante, já que a voz dele era qualquer coisa de excecional, era muito afetivo e disponível. No entanto, ao ser “um amigalhão”, muitas vezes era pouco disciplinado, tendo sido também atingido pelo alcoolismo, que não conseguia controlar e que o levou à morte.

A “Trova do Vento que passa” foi escrita por Manuel Alegre no café Mandarim de Coimbra, ao ver dois pides que ali estavam a vigiá-lo a ele e a outro. Inventou então aqueles versos, que segredou ao ouvido de Adriano Correia de Oliveira, que lhe disse que os escrevesse já porque “esses versos vão ficar para sempre”. Na preparação para a festa de receção aos caloiros na Fac. Medicina de Lisboa, o António Portugal começou na guitarra a fazer a música da “Trova” e a canção foi tocada na festa. Manuel Alegre revela em 2023, 60 anos depois: “Quando o Adriano acabou de cantar, aquilo foi um delírio”.

TROVA DO VENTO QUE PASSA (Manuel Alegre e Adriano C. Oliveira)

Pergunto ao vento que passa

Notícias do meu país

E o vento cala a desgraça

O vento nada me diz.

E o vento cala a desgraça

O vento nada me diz.


Mas há sempre uma candeia

Dentro da própria desgraça

Há sempre alguém que semeia

Canções no vento que passa.

Há sempre alguém que semeia

Canções no vento que passa.


Mesmo na noite mais triste

Em tempo de servidão

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não.

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não.

sexta-feira, 8 de março de 2024

CORTADO PELA CENSURA - 6 O cinema também era cortado

O couraçado Potemkine

A censura no cinema foi muito forte nas décadas anteriores ao 25 de Abril de 1974.

Logo nos anos 40 do século passado, o governo proibiu a dobragem de filmes estrangeiros, de forma a poderem fazer legendagem com tradução diferente das intervenções na língua de origem. Era estranho, se se dominava a língua original, ver um filme com legendas diferentes das palavras realmente ditas. Mas os censores confiavam que poucos saberiam línguas. Em Espanha era pior, porque lá a dobragem impedia os espectadores de poderem comparar com a língua original. E em Portugal esta medida até agradou a muitos cinéfilos, que assim gostavam de ouvir os seus atores vedetas sem interposta pessoa.  

Entre muitos filmes, houve alguns que tiveram a mão da censura. “Lolita”, de Stanley Kubrick, filme de 1962, estreou em Portugal a 11 de maio de 1972 e mostrava a história de uma relação amorosa entre um adulto e uma adolescente. “A baixeza do argumento leva-nos a votar pela reprovação” foi a apreciação da censura e este parecer levou a cortes no filme. “Drácula, príncipe das trevas” (1966), de Terence Fisher, estreou a 11 de julho de 1980, mas até ao 25 de Abril esteve proibido porque, diz o parecer da Comissão de Censura, “trata-se de um filme que pretende crer na existência de vampiros, em que estes aparecem ligados com a religião. Por isso votamos a sua reprovação”.  “O Couraçado Potemkine”, filme de 1925, de Sergei Eisenstein, esteve também interdito até ao 25 de Abril de 1974 por ser um filme russo e por retratar uma luta heroica dos soldados russos na revolução. Este filme, apesar de ser mudo, esgotou salas em maio de 1974. E muitos outros.

quinta-feira, 7 de março de 2024

MÚSICAS DE ABRIL - 6 "Somos livres" de Ermelinda Duarte

 

“Somos livres”, de Ermelinda Duarte, foi uma das canções mais populares em Portugal em 1975. Depois de ter sido apresentada numa peça do Teatro Estúdio de Lisboa (“Lisboa 72/74”), onde a cantora era também atriz, em finais de 1974, a Valentim de Carvalho propôs a edição em disco. A sua melodia simples, que entra rapidamente no ouvido, encantou os portugueses e a melodia foi posteriormente gravada por Tonicha. Mas foi a versão de Ermelinda Duarte que fez sucesso.

A carreira de Ermelinda Duarte foi relativamente curta e a atriz enveredou pelo mundo da dobragem de filmes, sobretudo infantis. Aliás esta música, originalmente a celebrar a liberdade conquista em 1974, é capaz de chegar a diversos públicos, incluindo o universo infantil, que adere facilmente a esta canção alegre e de mensagem clara e positiva. Encontramos mesmo no Youtube algumas versões infantis.  Reproduzimos aqui uma reação de um pai a esta canção nos comentários do Youtube: “A minha filha mais nova, de 6 anos, aprendeu esta canção na escola hoje e cantou-a na viagem para casa. Tive de encostar, pois a emoção tomou conta de mim e chorei! Somos livres!”.

SOMOS LIVRES (Ermelinda Duarte)

Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.

Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
'quando for grande
não vou combater'.
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás.

 


terça-feira, 5 de março de 2024

CONTA LÁ, AVÔ! - 4 António Marques e Afonso Reis falam sobre o seu 25 de Abril


   António Marques, avô materno e Afonso Reis, avô paterno de Dinis Reis (7º F) explicaram ao neto como correu o 25 de Abril e como escaparam da guerra em África. Muito curiosas estas entrevistas. Vejam este powerpoint.

ESTA TERÇA-FEIRA, DIA 5 Exposição sobre Eça de Queirós na ESAAG começa a receber visitas guiadas



 Eça de Queirós é o centro da exposição de 20 cartazes sobre a vida e obra do escritor, patente no espaço Conhecimento e Memória da ESAAG de 4 a 27 de março. Neste período, a exposição estará aberta a visitas guiadas promovidas pela Biblioteca Escolar, incidindo para já nas turmas do 11º ano, que atualmente trabalham nas aulas o romance “Os Maias”. Mas outras turmas ou alunos, nomeadamente do ensino secundário, poderão visitar a exposição.

A exposição foi oferecida à ESAAG na altura das comemorações dos 100 anos do nascimento do escritor (2000), já que ela assinala este centenário.

sexta-feira, 1 de março de 2024

25 DE ABRIL DE 1974 - CONTA LÁ, AVÔ / AVÓ! - 3º EPISÓDIO As respostas de Carolina Dias


              Conta lá, avô/avó
 é o título desta rubrica em vídeo que as Bibliotecas do AEAAG realizam e que se prolongará nos próximos meses. Pretendemos que os netos perguntem aos avós como viveram o dia 25 de Abril de 1974 e que os avós falem sobre o ambiente vivido aqui, em África ou no estrangeiro naquela altura das suas vidas. O objetivo é que, nos 50 anos do 25 de Abril, os jovens não passem ao lado da efeméride.

           Desta vez é a vez da avó do Pedro Dias (11º A), Carolina Dias, de 79 anos. 

PROJETO ESCOLA A LER - LIVR`À MÃO

 Os alunos do 5° ano já participaram todos na primeira semana do Projeto Escola a Ler. Tranquilos e com bastante interesse iniciaram o projeto com escolhas muito interessantes.









CORTADO PELA CENSURA - 5 Os jornais do regime e a censura em 1958 com Humberto Delgado

 

No Estado Novo, a imprensa livre não existia e o jornalismo propriamente dito também não. Por isso os jornais nacionais ligados ao regime, nomeadamente o Diário de Notícias (DN) e O Século, veiculavam a “verdade oficial” e escondiam o que a oposição legal referia, mesmo quando isso ocorria em sessões públicas.

Foi o que aconteceu quando Humberto Delgado, na sua primeira conferência de imprensa antes da campanha para as eleições a Presidente da República em 10 de maio de 1958, respondeu a um jornalista sobre o que faria de Salazar se ganhasse as eleições: “Obviamente, demito-o”. Esta frase, que foi também a sua sentença de morte, não apareceria no dia seguinte nas primeiras páginas daqueles dois jornais como seria normal com uma intervenção deste teor, mas apareceram no DN as referências aos milhares de telegramas recebidos em apoio de Salazar e contra a frase de Delgado. Escondida numa página interior dos dois jornais e, semeada de comentários pitorescos sobre as reações da assistência, aparecia a frase de Humberto Delgado. O Século referia na primeira página de 11 de maio um regime militar curto preconizado por Delgado mas não a célebre frase.

O jornalismo português em 1958 era um jornalismo feito “sob a tutela da censura”, como refere Ana Cabrera em “Imprensa em Portugal: uma história”, com quase todos os jornais a serem órgãos quase oficiosos do regime. Durante esta campanha eleitoral, as páginas destes jornais para a campanha de Delgado eram quase sempre entre a 6 e a 9, nunca a primeira, em que aparecia em vários dias o candidato do regime, Américo Thomaz.

Só o Diário de Lisboa (DL) e o Diário Popular (DP) se iam aproximando a custo do que hoje consideramos ser o jornalismo neutro, dando destaque aos diferentes candidatos e às suas ideias. Só o Diário Popular trouxe para a primeira página a “frase assassina” de Delgado. Também só o Diário Popular referia, mas sem adotar a ladainha laudatória de Salazar, de maneira objetiva, a reação da União Nacional, partido “oficial” que considerava as frases de Delgado uma “verdadeira afronta”. O DP ia entrevistando também ao longo da campanha figuras das duas candidaturas, como por exemplo num dos dias Pinto Barriga (pela UN) e António Sérgio (pela candidatura de Delgado). No entanto a censura não permitiu em nenhum jornal a publicação das fotografias dos grandes banhos de multidão de Delgado no Porto. O DL (Diário de Lisboa) estava mais perto das posições de Humberto Delgado e mais próximo desta candidatura, mas com muitos conflitos e manobras com a censura.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

MÚSICAS DE ABRIL - 5 Arnaldo Trindade, o sr. Orfeu, que editava José Afonso

Arnaldo Trindade (Foto revista SÁBADO)

 


Arnaldo Trindade faleceu a 8 de janeiro de 2024 com 89 anos e foi o grande impulsionador das edições da chamada “música de intervenção” na editora Orfeu. Mas talvez o público não saiba que ele, o “Senhor Orfeu”, começou a atividade de edição discográfica em 1956 com a publicação de discos de poesia declamados pelos próprios autores. Gravou assim Miguel Torga, José Régio, Alberto de Serpa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e outros.

No início dos anos 60 começou a gravar também música, tendo gravado cantores como Adriano Correia de Oliveira (ex. Trova do vento que passa) e José Afonso (ex. Cantares do Andarilho), para além de música mais ligeira como Maria da Fé e o Conjunto António Mafra, por exemplo. Arnaldo Trindade era um empresário, não era revolucionário nem político, mas tinha apreço por aquilo que era belo. Dizia ele (Visão-História nº 79): “…os músicos tiveram sempre carta branca para fazer o que quisessem. Eu só não queria panfletos. Panfletos, não! Poesia autêntica, boa, bem feita, e com uma segunda linguagem que eles (os censores) não entendessem”. Os discos no princípio só eram analisados após a publicação e podiam ser apreendidos. Depois, através da “pré-censura”, os editores eram obrigados a mostrar os textos, o que supunha uma negociação com a Censura. Mas, diz Arnaldo Trindade, quanto às letras, os censores muitas vezes “não as entendiam”. “Nunca um Orfeu foi proibido”, afirmava Arnaldo Trindade.

O 25 de Abril, para Arnaldo Trindade, foi “a maior alegria” da sua vida. Mas reconhece que os cantores de intervenção perderam qualidade musical na altura devido ao carácter panfletário de algumas gravações propostas à Orfeu após o 25 de Abril. E recusou mesmo gravar certas coisas de José Afonso e Adriano porque a linha da Orfeu não era meter-se na política “pequena”. Por exemplo, em “Foi na cidade do Sado”, José Afonso implicava com um comício do PPD em Setúbal e em “Se vossa excelência” Adriano Correia de Oliveira apoiava a greve da empresa Tabopan, em Amarante. A Orfeu não alinhava neste tipo de intervenção e não gravou estas músicas. 

Arnaldo Trindade editou dois livros de poesia: “Jogos de xadrez e da vida” e “Commedia dell’arte” e em outubro de 2023 gravou em disco os seus próprios poemas com a sua voz, como havia feito com os grandes poetas nos anos 50.

Aqui fica uma das músicas que a Orfeu gravou e que mais impacto teve no pré e pós-25 de Abril, A morte saiu à rua, de José Afonso, uma homenagem a José Dias Coelho, pintor, morto pela PIDE em 19 de dezembro de 1961.


A morte saiu à rua num dia assim

Naquele lugar sem nome pra qualquer fim

Uma gota rubra sobre a calçada cai

E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial

E a foice duma ceifeira de Portugal

E o som da bigorna como um clarim do céu

Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual

Só olho por olho e dente por dente vale

À lei assassina, à morte que te matou

Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim

Que um dia rirá melhor quem rirá por fim

Na curva da estrada, há covas feitas no chão

E em todas florirão rosas duma nação