Mário Bento Soares, Presidente da Comissão Central de Exame Prévio |
A Censura à imprensa no Estado Novo por alturas do 25
de Abril de 1974 chamava-se Exame Prévio e a “primavera marcelista” não tinha
afinal arrefecido em nada o fervor dos censores. Cortava-se tudo o que parecia
suspeito, tanto fotos como texto, o que punha as direções e redações dos
jornais à beira de um ataque de nervos na altura da saída dos jornais
(madrugada para os jornais da manhã, início da tarde para os jornais
vespertinos). No dia 25 de Abril, ao princípio da tarde, alguns jornais, face
aos acontecimentos já ocorridos, já não enviaram as provas para exame prévio.
Algumas gravações das conversas telefónicas entre a Censura de Lisboa e Porto
(que ficavam por segurança para evitar mal-entendidos) mostram bem o que estava
em causa. Cada uma destas secções estava por horas. A fonte é “Gravaçãopolítica de censores – uma questão política no marcelismo”, por Joaquim CardosoGomes, in Media & Jornalismo, janeiro-abril 2020. O referido Mário Bento
(Lisboa) chegou a ser deputado pela Guarda entre 1965 e 1969.
BLOCO VI – Pelas 14 horas do dia 25 de Abril de 1974.
Censores: dr. Mário Bento (Lisboa) e dr. Relvas (Porto).
Porto – Estou. Aqui é o Relvas.
Lisboa – Tenha a bondade, senhor doutor. Daqui é Mário
Bento.
Porto – Oh, senhor doutor, só agora é que nos chegaram as
provas. Temos aqui uma série delas e há aqui umas que (…) duas páginas já. No
que se refere ao seguinte… Não li tudo, mas o título diz logo tudo.
“Neutralizadas forças de choque da Polícia de Segurança Pública e de Cavalaria
7 pela Escola Prática de Cavalaria de Santarém…
Lisboa – Como? Como?!
Porto – “Neutralizadas forças de choque da Polícia de
Segurança Pública e de Cavalaria 7 pela Escola Prática de Cavalaria de
Santarém”
Lisboa – Pois…
Porto – “… que tomaram o Terreiro do Paço”.
Lisboa – Tomaram o Terreiro do Paço? Pois, isso é de cortar!
O senhor doutor corte isso tudo, corte!
Porto – “Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional
Republicana e Direção-Geral de Segurança e Legião Portuguesa aconselhadas a não
tomar iniciativas”.
Lisboa – E o texto?
Porto – (…) É do segundo comunicado (…) (do MFA, emitido
pela primeira vez no Rádio Clube Português às 5h45, com avisos explícitos às
forças de segurança).
Lisboa – (…) Isso pode autorizar.
Porto – “Grande movimento de tropas na zona do Terreiro do
Paço”. Esta parte é muito má! Eu não li. Mas está aqui o senhor coronel que leu
e diz que é muito má. “Tropas de Aveiro e da Figueira da Foz controlam Peniche.
Viseu: duas colunas seguiram para a capital”.
Lisboa – Isso é de cortar!
Porto – “Tomados às 3 horas os postos da Emissora Nacional,
Rádio Clube Português e o Quartel-General de Lisboa”.
Lisboa – É cortar o Quartel-General de Lisboa.
Porto – O Quartel-General… Lisboa – O resto, os postos, está
bem, já toda a gente sabe.
Porto – “Forças de Vila Real permanecem nos quartéis. Rádio
Clube Português, a Voz das Forças Armadas”.
Lisboa – Como?!
Porto – “Rádio Clube Português, a Voz das Forças Armadas”.
Lisboa – É cortar “A Voz das Forças Armadas”, não é? É em
título, não é?
Porto – É em título. E é tudo assim, deste teor.
Lisboa – Sim, sim. Então, olhe: corte o mais alarmista.
Porto – Está? Está?
Lisboa – Estou. Estou.
Porto – É que é muito difícil. Já são duas páginas
completas. (…) (Pausa. Vozes exaltadas na comissão do Porto: (…) - O que é que
eles querem que saia? Pronto, acabou…”
Porto – Oh, senhor doutor, conforme disse há pedaço era nada
que atinja os membros do Governo (…) O comunicado do Rádio Clube Português pode
ser publicado sem comentários.
Lisboa – Sim…
Porto – Há mais alguma coisa? É impossível estar a ler isto
tudo.
Lisboa – Pois é. São tantas coisas… Quer dizer, tudo o que
seja dito no condicional, teria havido ou teria sido. Compreende? Sim, tudo o
que seja dito como coisa suposta e não facto concreto, aí cortar também. E
essas notícias sobre sublevações das várias unidades, cortar também.
Porto – Sim, senhor. E fotografias?
Lisboa – Ai, fotografias nós temos cortado tudo.
Porto – Ah, cortaram tudo?
Lisboa -A Capital publicou algumas, mas não mandou cá, não
é?
Porto -Sim, senhor. É que vem tudo cheio de fotografias … do
Quartel General com as tropas, da Câmara Municipal…
Lisboa – Aí do Porto?
Porto – Aqui do Porto.
Lisboa – Ah, olhe, isso corte. (…) (Pausa. Vozes de censores
enumerando os quartéis ocupados).
Lisboa – Nós aqui também cortámos que o Quartel-General do
Porto foi ocupado. Mande cortar.
Porto - Também cortaram (pausa) a ocupação do
Quartel-General…
Porto – Pronto, senhor doutor.
Lisboa - Olhe, eu cá estou.
Porto – Está bem, senhor doutor. Então, boa tarde, até logo
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