sexta-feira, 1 de março de 2024

CORTADO PELA CENSURA - 5 Os jornais do regime e a censura em 1958 com Humberto Delgado

 

No Estado Novo, a imprensa livre não existia e o jornalismo propriamente dito também não. Por isso os jornais nacionais ligados ao regime, nomeadamente o Diário de Notícias (DN) e O Século, veiculavam a “verdade oficial” e escondiam o que a oposição legal referia, mesmo quando isso ocorria em sessões públicas.

Foi o que aconteceu quando Humberto Delgado, na sua primeira conferência de imprensa antes da campanha para as eleições a Presidente da República em 10 de maio de 1958, respondeu a um jornalista sobre o que faria de Salazar se ganhasse as eleições: “Obviamente, demito-o”. Esta frase, que foi também a sua sentença de morte, não apareceria no dia seguinte nas primeiras páginas daqueles dois jornais como seria normal com uma intervenção deste teor, mas apareceram no DN as referências aos milhares de telegramas recebidos em apoio de Salazar e contra a frase de Delgado. Escondida numa página interior dos dois jornais e, semeada de comentários pitorescos sobre as reações da assistência, aparecia a frase de Humberto Delgado. O Século referia na primeira página de 11 de maio um regime militar curto preconizado por Delgado mas não a célebre frase.

O jornalismo português em 1958 era um jornalismo feito “sob a tutela da censura”, como refere Ana Cabrera em “Imprensa em Portugal: uma história”, com quase todos os jornais a serem órgãos quase oficiosos do regime. Durante esta campanha eleitoral, as páginas destes jornais para a campanha de Delgado eram quase sempre entre a 6 e a 9, nunca a primeira, em que aparecia em vários dias o candidato do regime, Américo Thomaz.

Só o Diário de Lisboa (DL) e o Diário Popular (DP) se iam aproximando a custo do que hoje consideramos ser o jornalismo neutro, dando destaque aos diferentes candidatos e às suas ideias. Só o Diário Popular trouxe para a primeira página a “frase assassina” de Delgado. Também só o Diário Popular referia, mas sem adotar a ladainha laudatória de Salazar, de maneira objetiva, a reação da União Nacional, partido “oficial” que considerava as frases de Delgado uma “verdadeira afronta”. O DP ia entrevistando também ao longo da campanha figuras das duas candidaturas, como por exemplo num dos dias Pinto Barriga (pela UN) e António Sérgio (pela candidatura de Delgado). No entanto a censura não permitiu em nenhum jornal a publicação das fotografias dos grandes banhos de multidão de Delgado no Porto. O DL (Diário de Lisboa) estava mais perto das posições de Humberto Delgado e mais próximo desta candidatura, mas com muitos conflitos e manobras com a censura.

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