José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, aliás, na vida artística, Dr. José Afonso ou ainda Zeca Afonso, foi o nosso cantor mais influente no século XX, nomeadamente no campo da música de intervenção. Durante os anos 60 ele foi um quebra-cabeças para a PIDE e o disco “Baladas de Coimbra” de 1963 foi a primeira pedrinha na engrenagem com quatro canções significativas e desestabilizadoras: "Menina do Bairro Negro", "As Pombas", "Os Vampiros", "Canção de Vai.... e Vem".
A “Grândola Vila Morena”, contra tudo aquilo que se pensa agora, passou em 1971 pelo crivo da censura sem problemas e quando havia espetáculos era autorizada. O José Afonso tinha feito aquela música em homenagem à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense e ao seu espírito de “solidariedade e fraternidade” em contraste com o sufoco da ditadura, da PIDE, da censura e da guerra. O álbum CANTIGAS DO MAIO, de que “Grândola” fazia parte, foi gravado em Paris com José Mário Branco em 1971. No caso da “Grândola”, tentava ali meter-se um pouco a cadência do cante alentejano e o José Mário Branco teve a ideia de gravar os sons dos pés na gravilha do jardim ao lado do estúdio para marcar essa cadência. Eram os pés de José Afonso, de José Mário Branco, de Bóris e de Francisco Fanhais. E assim ficou aquele fundo magnífico da música do “Grândola”.
No concerto do Coliseu dos Recreios de 29 de março de 1974 que juntou a nata dos cantores da música de intervenção, espetáculo sujeito à censura, foram proibidas músicas do José Afonso como “Venham mais cinco”, “Menina dos Olhos Tristes” e “A Morte saiu à rua” mas a “Grândola, vila Morena” foi permitida e não foi considerada “subversiva”. José Afonso acabou apenas por cantar “Milho Verde”, uma música de índole tradicional, e a “Grândola”. Viveu-se então um momento extraordinário de comunhão entre os músicos e o público, que cantou em coro a “Grândola”, fácil de cantar e ao mesmo tempo inspiradora. José Jorge Letria diz que aquele espetáculo foi “um grande contributo dos músicos para, naquela altura, confrontar o regime com a sua fragilidade”.
No dia 25 de Abril, quatro semanas depois, “Grândola” foi a senha definitiva para os capitães avançarem sobre Lisboa e deitarem abaixo o regime.
Grândola, Vila Morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, Vila Morena
Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, Vila Morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, Vila Morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade
Grândola, a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
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