Na noite de 31 de dezembro de 1968 Francisco Fanhais, sacerdote católico,
participou numa vigília pela paz organizada pela hierarquia católica na Igreja
de São Domingos (Lisboa), com o cardeal Cerejeira, mas a vigília estendeu-se para
lá da hora com o fim de criticar a guerra colonial e contestar o regime. Na
altura, Francisco Fanhais (o Padre Fanhais, como ficou conhecido) acompanhou a
vigília com uma viola e, apesar das ameaças, depois da saída do cardeal
Cerejeira, interpretou a Cantata da Paz, poema de Sophia de Mello Breyner
Andresen com música de Rui Paz, que fez imenso sucesso e foi marcante na luta dos resistentes contra
o regime.
A canção seria depois gravada no disco “Canções da Cidade nova”,
de 1971. Entretanto Francisco Fanhais foi afastado do sacerdócio em 1970 pela
hierarquia. Os católicos progressistas revelavam-se assim por esta altura,
culminando mais tarde numa outra vigília (da capela do Rato) na noite de 31 de
dezembro de 1972.
Em 1971 viajou para Paris com José Afonso e aí participou na gravação de “Cantigas
do Maio”, tendo voltado apenas após o 25 de Abril. Gravou os álbuns “Canções
da Cidade nova” e “Cantilena”, com melodias muito bem gizadas e uma
voz cristalina.
Aqui fica a letra da “Cantata da Paz”, da grande Sophia, que dizia
indiretamente aquilo que não se podia dizer diretamente:
CANTATA DA PAZ
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror
A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças
D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados
Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado
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