quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

MÚSICAS DE ABRIL - 4 A "Cantata da Paz", de Francisco Fanhais (1968)

 

Na noite de 31 de dezembro de 1968 Francisco Fanhais, sacerdote católico, participou numa vigília pela paz organizada pela hierarquia católica na Igreja de São Domingos (Lisboa), com o cardeal Cerejeira, mas a vigília estendeu-se para lá da hora com o fim de criticar a guerra colonial e contestar o regime. Na altura, Francisco Fanhais (o Padre Fanhais, como ficou conhecido) acompanhou a vigília com uma viola e, apesar das ameaças, depois da saída do cardeal Cerejeira, interpretou a Cantata da Paz, poema de Sophia de Mello Breyner Andresen com música de Rui Paz, que fez imenso sucesso e foi marcante na luta dos resistentes contra o regime.

A canção seria depois gravada no disco “Canções da Cidade nova”, de 1971. Entretanto Francisco Fanhais foi afastado do sacerdócio em 1970 pela hierarquia. Os católicos progressistas revelavam-se assim por esta altura, culminando mais tarde numa outra vigília (da capela do Rato) na noite de 31 de dezembro de 1972.

Em 1971 viajou para Paris com José Afonso e aí participou na gravação de “Cantigas do Maio”, tendo voltado apenas após o 25 de Abril. Gravou os álbuns “Canções da Cidade nova” e “Cantilena”, com melodias muito bem gizadas e uma voz cristalina.

Aqui fica a letra da “Cantata da Paz”, da grande Sophia, que dizia indiretamente aquilo que não se podia dizer diretamente:

CANTATA DA PAZ

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado

 

 

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